O que as ideias do Mestre Yoda têm a nos ensinar?
"Muito", diriam os filósofos. É partindo dessa premissa que o
artigo destaca 8 frases ditas por um dos personagens mais queridos
do universo Star Wars e as analisa sob uma visão filosófica,
comparando-as com os pensamentos de grandes filósofos, como Séneca,
Sun Tzu, Platão e Nietzsche.
Talvez ele seja um dos ícones mais famosos da cultura pop.
Personagem carismático desde a década de 1980, Mestre
Yoda (criado por George Lucas)
apareceu em todos os filmes da franquia Star
Wars, com exceção do primeiro filme da trilogia clássica,
lançado 1977. Sua primeira aparição nas telonas foi no filmeStar
Wars: O Império Contra-Ataca, de 1980.
Este pequeno Mestre Jedi, de apenas 75 centímetros de altura,
liderou o Conselho Jedi durante anos. O nome de sua raça nunca foi
relevado na trama de Star Wars. Mestre Yoda foi um dos membros mais
importantes do alto Conselho Jedi, vindo a falecer aos 900 anos de
idade.
Além de ser um exímio lutador, que combinava apurada habilidade
de combate com o uso do sabre de luz (arma da Ordem dos Jedi e dos
guerreiros Sith) com técnicas acrobáticas de luta, foi também um
grande pensador no universo criado por George Lucas, criador de
toda a saga Star Wars.
A seguir apresentaremos algumas falas do personagem que refletem
sua filosofia de vida. São pensamentos interessantes que, com toda
certeza, lhe farão refletir sobre sua vida, seus relacionamentos e
sobre a sociedade em que vive.
(1) "May the Force be with you" (Que a Força esteja com
você)
Frase emblemática que marcou o universo Star Wars. Essa "força"
pode ser entendida muito mais como persistência e firmeza de
caráter do que uma força física. Podemos constatar na própria trama
da saga que a força de vontade foi aliada dos guerreiros Jedi em
diversas situações de perigo.
Este ensinamento ultrapassa o contexto dos guerreiros Jedi. Essa
força pode ser encontrada dentro de cada um de nós à medida que
conhecemos a nós mesmos. O aforismo grego "conhece-te a ti mesmo"
(atribuído por Platão a Sócrates)
pode ser invocado neste pensamento como uma ideia de motivar o
interlocutor a realizar uma busca pessoal e interior.
De fato, quando conhecemos a nós mesmos, nossos limites e
potencialidades, somos capazes de feitos extraordinários. No
livro A Arte da Guerra, um verdadeiro tratado de estratégia
militar escrito durante o século IV a.C. por Sun Tzu,
encontramos a seguinte lição:
"Aquele que conhece o inimigo e a si mesmo lutará cem batalhas
sem perigo de derrota. Para aquele que não conhece o inimigo, mas
conhece a si mesmo, as chances para a vitória ou para a derrota
serão iguais. Aquele que não conhece nem o inimigo e nem a si
próprio, será derrotado em todas as batalhas".
(2) "Always pass on what you have learned" (Sempre
passar o que você aprendeu)
A ideia de formar discípulos e compartilhar o conhecimento foi
muito difundida por filósofos como Platão e Aristóteles,
que criaram escolas com o intuito de propagar seus
ensinamentos.
A Academia
Platônica foi fundada por volta de 384 em Estagira, no
subúrbio de Atenas, tendo se originado, provavelmente, quando
Platão herdou a propriedade aos trinta anos de idade. Já a escola
de Aristóteles, a Escola Peripatética, fundada em 336 a.C no Liceu
em Atenas, também na Grécia Antiga, foi um círculo filosófico que
seguia os ensinamentos de seu fundador.
Peripatético significa itinerante (ou ambulante) e
os peripatéticos (aqueles que passeiam) eram os
discípulos de Aristóteles que caminhavam durante os ensinamentos de
seu mestre, que tinha o hábito de ensinar ao ar livre. O filósofo
passeava enquanto lia sob os portais do Liceu, conhecido
como perípatoi.
Essa preocupação em propagar o saber foi o responsável por
conhecermos os pensamentos dos filósofos do passado e representou
um marco divisório da cultura humana, pois desde as pinturas
rupestres da pré-História até as modernas formas de processamento
de dados, percebe-se a ideia de disseminar o conhecimento adquirido
por meio de experiências ou de novas maneiras de pensar e enxergar
o mundo ao nosso redor.
(3) "In a dark place we find ourselves and a little more
knowledge lights our way" (Em um lugar escuro nos encontramos e um
pouco mais de conhecimento ilumina nosso caminho)
Mesmo "vivendo" em um universo distante do nosso, fica evidente
a influência da filosofia platônica nos ensinamentos do Mestre
Yoda. O Mito
da Caverna, de Platão, é uma das passagens mais famosas da
história da Filosofia. Faz parte do
Livro VI de A República. Nesta obra, o filósofo discute
temas como teoria do conhecimento, linguagem e educação na
constituição do Estado ideal.
Com uma narrativa alegórica e, ao mesmo tempo, dramática, Platão
conta-nos a história de prisioneiros que, desde o nascimento,
encontram-se acorrentados no interior de uma caverna. A caverna
possui uma pequena entrada, por onde passa pouca luz, vinda de uma
fogueira. Esses prisioneiros olham somente para uma parede
iluminada por essa fogueira. Do outro lado da caverna se encontram
pessoas que manipulam estatuetas de homens, plantas e animais.
Como os prisioneiros não tem a mesma percepção de quem está do
outro lado da caverna, imaginam que as sombras projetadas na parede
são, de fato, as coisas em si. Assim, as sombras dos animais, para
os prisioneiros, são os animais. Com o tempo, os prisioneiros
passam a dar nomes a essa projeções pensando se tratar da
realidade.
O texto do Mito da Caverna é um diálogo entre Sócrates
e Glauco:
"Agora imagine a nossa natureza, segundo o grau de educação que
ela recebeu ou não, de acordo com o quadro que vou fazer. Imagine,
pois, homens que vivem em uma morada subterrânea em forma de
caverna. A entrada se abre para a luz em toda a largura da fachada.
Os homens estão no interior desde a infância, acorrentados pelas
pernas e pelo pescoço, de modo que não podem mudar de lugar nem
voltar a cabeça para ver algo que não esteja diante deles. A luz
lhes vem de um fogo que queima por trás deles, ao longe, no alto.
Entre os prisioneiros e o fogo, há um caminho que sobe. Imagine que
esse caminho é cortado por um pequeno muro, semelhante ao tapume
que os exibidores de marionetes dispõem entre eles e o público,
acima do qual manobram as marionetes e apresentam o
espetáculo".
No decorrer da narrativa, um dos prisioneiros consegue se
libertar das correntes e contempla o mundo exterior, mas ao voltar
ao interior da caverna e relatar suas experiências e seu novo modo
de perceber as coisas é contrariado por seus companheiros, que,
provavelmente, o mataram por ir de encontro às ideias já
estabelecidas pelos habitantes da caverna.
Como conclusão, o personagem Sócrates diz:
"E agora, meu caro Glauco, é preciso aplicar exatamente essa
alegoria ao que dissemos anteriormente. Devemos assimilar o mundo
que apreendemos pela vista à estada na prisão, a luz do fogo que
ilumina a caverna à ação do sol. Quanto à subida e à contemplação
do que há no alto, considera que se trata da ascensão da alma até o
lugar inteligível, e não te enganarás sobre minha esperança, já que
desejas conhecê-la".
(4) "Powerful you have become, the dark side I sense in
you" (Poderoso você se tornou, o lado escuro sinto em
você)
Para o mestre Yoda, o poder nos leva para "o lado escuro", nos
corrompendo. Mas esta não é uma ideia nova. Para o historiador
inglês
John Emerich Edward Dalberg-Acton (1834-1902), primeiro barão
Acton de Aldenham, ativo militante da causa da liberdade, "o poder
tende a corromper, e o poder absoluto corrompe absolutamente, de
modo que os grandes homens são quase sempre homens maus".
A frase atribuída a Abraham
Lincoln, "se quiser pôr a prova o caráter de um homem, dê-lhe
poder", também se aplica neste contexto. Parece que os ideais de
liberdade e igualdade só são atingidos por meio de lutas e
revoluções. Quando a totalidade do poder se concentra na mão de
apenas um governante soberano, todo o povo padece.
Já segundo Ulysses
Guimarães (1916 - 1992), "o poder não corrompe o homem; é o
homem que corrompe o poder. O homem é o grande poluidor, da
natureza, do próprio homem, do poder. Se o poder fosse corruptor,
seria maldito e proscrito, o que acarretaria a anarquia".
O que se nota é que, no decorrer da história da humanidade, o
pensamento ético é inclinado de acordo com a vontade do governante
ou do grupo de pessoas que governam. Nesse sentido, a ética é
variável de acordo com o poder vigente na sociedade.
(5) "Many of the truths that we cling to depend on our
point of view" (Muitas das verdades que temos dependem de nosso
ponto de vista)
Para o filósofo Immanuel
Kant (1724 - 1804), a realidade não é aquilo que realmente é,
mas ela é como nós a enxergamos, como se usássemos lentes que
alteram a realidade de acordo com nossas percepções.
No entanto, como conceito relativista, a verdade é sempre a
verdade sob um ponto de vista. Segundo o pensamento do Mestre Yoda,
nossas verdades dependem de como nós a vemos.
O problema dessa concepção relativista, que encara a realidade
como algo não absoluto, é que (em uma visão extremista desta
premissa) nunca saberemos qual é, de fato, a verdadeira realidade.
Nesse sentido a realidade está vulnerável à interpretação de cada
indivíduo.
(6) "Fear is the path to the dark side. Fear leads to
anger, anger leads to hate, hate leads to suffering" (O medo é o
caminho para o lado negro. O medo leva a raiva, a raiva leva ao
ódio, o ódio leva ao sofrimento)
Para o filósofo Séneca (4 a.C.
- 65), "uma ira desmedida acaba em loucura; por isso, evita a ira,
para conservares não apenas o domínio de ti mesmo, mas também a tua
própria saúde".
A filosofia de Séneca nos ensina a ter moderação e aceitar que
não temos o controle de tudo que acontece e que aceitar este fato e
tentar mudar as coisas que podemos mudar é essencial para termos
tranquilidade. Quanto mais cedo entendermos isso, mais cedo
alcançaremos a ataraxia (tranquilidade da alma), segundo
Séneca.
Ainda segundo o filósofo "a maldade bebe a maior parte do veneno
que produz".
(7) "Size matters not. Look at me.Judge me by my size,
do you?"(Tamanho importa não. Olhe para mim. Você julga a mim pelo
tamanho?)
Novamente vemos aqui a influência do Mito da Caverna, de
Platão, pois quando julgamos pela aparência, julgamos mal por não
levarmos em consideração a realidade das coisas.
Para Nietzsche
(1844 - 1900), a realidade é a aparência e a essência é uma
mentira, espécie de ilusão criada pelos homens, uma vez que é
difícil encarar a constante multiplicidade e efemeridade do que é
real.
Ainda que a fragilidade e a constante mudança da realidade nos
atinja, o ensinamento do Mestre Yoda nos diz que devemos lançar mão
de acreditar no que nossos olhos enxergam e procurarmos enxergar a
essência das pessoas.
(8) "Wars not make one great"(Guerras não faz grande
ninguém)
Na obra A Arte da
Guerra, Sun Tzu declara que "o verdadeiro objetivo da guerra é
a paz". Ainda segundo o estrategista militar, "os guerreiros
vitoriosos vencem antes de ir à guerra, ao passo que os derrotados
vão à guerra e só então procuram a vitória". Nesse sentido, o
embate físico deve ser a última fase de uma guerra e não o
primeiro.
Assim, através dessas oito frases concluímos singelamente nossa
análise do pensamento filosófico do Mestra Yoda, um dos personagens
mais queridos do universo Star Wars. Escolhemos apenas oito
frases para deixar o texto mais objetivo, porém, obviamente,
diversos outros pensamentos possuem igual utilidade e podem ser
adicionados a estes que relacionamos.
Para os fãs da série, essa foi nossa modesta homenagem a este
incrível personagem de George Lucas. Para aqueles que não conhecem
a série, esta é uma boa oportunidade para pesquisar sobre o
assunto.
Esperamos ter aguçado sua curiosidade sobre o tema e…
Que a força esteja com vocês!
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