Ajuda para Ubaldo

 Ubaldo

                                               

                                                     

 

Preciso de sua ajuda para descobrir onde foi parar a família do Ubaldo. Bem, talvez você não saiba, mas reencontrei o Ubaldo faz pouco tempo, e ele perdeu completamente a memória, digo, talvez completamente não, mas não sabe mais quase nada de seu passado, inclusive nem lembra mais como se chama.

 

Disse para ele que se chamava Ubaldo, mas ele não levou muito o sério minha afirmação, pois pensou que somente o fiz para agradá-lo. Como se chamar alguém de Ubaldo fosse um Presente.

 

Lembro-me ainda, quando estudávamos na mesma escola, e chegávamos até a trocar conversas ditas fiadas, sim porque o Ubaldo não era muito disso, já que ele se preparava seriamente para ser o Administrador.

 

Não se podia saber muito sobre a vida dele, pois disso pouco se falava, mas se sabia que era de uma família de construtores que talvez viesse de Portugal ou de Espanha ou até mesmo do Egito, não sei bem ao certo. Presumo que seja de Espanha, mais precisamente da Galícia, pois sabiam como poucos trabalhar com as pedras e com elas faziam os alicerces de suas casas, dado que naquele lugar as pedras eram abundantes. Para eles, alicerçar uma construção significava escolher as pedras certas, polir suas arestas e ajustá-las de maneira firme que quando colocadas juntas se tornavam tão coesas e solidas que pareciam já estar lá por todo do tempo.

 

As vezes, por força de nosso estudo em conjunto, tínhamos que trocar algumas mensagens eletrônicas e o Ubaldo, prezando os laços familiares, sempre começava seus textos da mesma maneira:

 

"Espero que você e sua família estejam bem de saúde, graças a Deus. Eu e a minha família estamos bem de saúde, graças a Deus."

 

Quando lia isso, ficava a pensar se ele imaginava que todos que não eram de sua família viviam doentes, ou talvez do contrário, eles tinham vivido um longo período de doença e agora estavam bem de saúde. Muito bom para a gente nunca se esquecer que vivemos devido ao Shekinah eterno, graças a Deus.

 

Um dia o Ubaldo me confessou que se preparava para ser o melhor Administrador que a sua família de construtores poderia ter, por isso estudava tudo que parecia pela frente e tinha uma visão muito idealizada da Administração. Achava que com ela tudo poderia fazer, pois este é o destino de todos que idolatram ideologias.

 

Confesso que achei aquela visão tão fora da realidade que secretamente passei a chamá-lo de Ubaldo Utópico. Contudo, explorando um pouco mais a sua realidade, indaguei sobre que tipo de construção eles eram especializados. Ubaldo me disse que construíam Castelos, daí achei que a sua utopia era plenamente justificável, pois quem constrói Castelos deve ter uma clientela muito seleta e cheia de virtudes idealizadas e auto pressupostas, para as quais dinheiro é imprescindível. Talvez o dito Ubaldo Utópico não seja tão utópico assim, pode ser perfeccionista, mas disso também não posso ter certeza, já que ele não é engenheiro. Diga-se, uma exceção em sua família, pois descobri não ter muitos engenheiros, mas os poucos que tem ocupam cargos altos na empresa de construção, já que fazem parte do "core business" e são como laje ou um andaime. Todavia também tem advogados para tratarem dos Contratos e de muitos vendedores, pois a concorrência é brava, e com essa crise.....temos que vender...o que está cada vez mais difícil. O problema é que muitas vezes o chefe dos vendedores pensa que é  advogado  e quando pode, tentam interpretar a lei e os procedimentos internos ao seu bel prazer, digo, a maneira que melhor lhes convém, ou convém aos amigos mais próximos.

 

Quanto mais conversava com o Ubaldo, naquela época, mais me questionava sobre ter tantos procedimentos internos naquela empresa, dado que sendo ela familiar deveria ter um Ethos bem desenvolvido e julguei que todo mundo sabia como deveria agir em determinada situação, sem ter que ficar recorrendo a consultas em procedimentos recomendados. Deduzi que quando se trabalha com pedras brutas tem que ser assim e é porque elas vêm de muitos lugares diferentes e também são todas muito particulares, ou pelo menos se acham assim.

 

Com tudo isso, reencontrando agora o Ubaldo depois de tanto tempo, vejo-o completamente mudado, que nos deixa por saber agora como vives, com quem andas e o que faz. Indaguei-o e ele me respondeu que vive de dar Presentes e como não entendi direito a resposta, ele disse que é a maneira que encontrou de ser feliz, já que dar Presentes quase sempre deixa mais feliz comete este Ato. Explicou-me que somente se é feliz no tempo presente, não no tempo que já passou o no tempo que talvez venha a ser. Pois é, o Ubaldo ta diferente e parece que agora é realmente utópico, não?

 

Não sei por que ainda conserva alguma coisa que carrega em uma pequena mochila. Perguntei e ele o que levava e me respondeu afirmando que são pedras e ai lhe disse:

 

 - Ainda não perdeu o habito enraizado de construir a partir das pedras?

 

Como resposta ele não foi claro, retrucou que eram algumas pedras especiais, diferentes, por isso as tinha acolhido em sua mochila, mas que logo mais falaria sobre pedras. As quais servem para muitas coisas, desde construir muros até pavimentar escadas.

 

Não pensei em perguntar outra coisa sobre pedras, mas sim sobre que tipo de Presente dava às pessoas e que recebia em troca.

 

Ubaldo confessou que no tempo que lia tudo pela frente acabou conhecendo algumas pessoas, as quais lhe ensinaram um pouco sobre sentir, já que ele inicialmente estudava muito sobre pensar e fazer. Disse que aprendeu a ler um pouco "entre as linhas" e disse descobrir em alguns textos um significado mais amplo do que inicialmente pareciam ser. Por exemplo, aquela história sobre os três filhos de Noé - Can, Sem e Jafé - disse ele que o significar pode ser muito mais amplo. Como um representar o Pensar, outro o Fazer e outro o Sentir. Logo, não adianta dizer que se é Administrador quem não sabe que os três irmãos sempre andam juntos. Retruquei, dizendo que para mim representavam as três grandes religiões ou povos que receberam a Palavra - Os Semitas (Árabes e Judeus), os Cananitas (Egípcios) e os Jafetitas (Hindus).

 

Ubaldo parou e pensou ao responder, dizendo que pode ser também representarem as três raças primordiais, do ponto de vista simbólico, que primeiro habitaram este Planeta, mas que para ele o importante era refletir sobre isso e principalmente conversarmos sobre isso. Para ele a Verdade estava na descoberta e na troca de pensamentos, sentimentos e ações, aplicando de maneira prática este saber simbólico. Fato é que mais intrigado ainda fico e passo até desconfiar do Ubaldo. Será mesmo que ele perdeu a memória ou será que converso com outro, o qual pode mesmo não ser a mesma pessoa?

 

Quis saber mais, já que nos passou pela mente este não ser o Ubaldo que conheci, talvez seja outra pessoa qualquer sem memória. Indaguei sobre o que levou a pesquisar sobre o significado simbólico das coisas e daí navegar ao mito de Noé e seus filhos.

 

Ubaldo, que lia muito, falou de uma constante preocupação em saber a Origem:

  

- Assim fica mais fácil traçar o caminho de volta, disse ele.

 

Afirmou que tudo leva de volta à Origem, mas que cada caminho de retorno é muito particular, o que não invalida a tese de procurar as origens. Pelo contrário.

 

Disse-me que cada caminho temos que fazê-lo com as próprias mãos e construir o nosso retorno como se faz uma ladeira, sendo que nesta ladeira é comum se perder a memória de algumas coisas e recuperar a memória de outras. Em São Paulo tem até a Ladeira da Memória, na qual muita gente sobe e desce todo dia sem saber que a Vida é um trocar de memórias, a tal ponto que muitos chegam a não lembrar quem realmente são, de onde vem e para onde vão. Vão subindo a ladeira até certo ponto, para descer e tornar subir novamente, por várias vidas. Não obstante numa vida, quando acham que chegaram mais alto, logo já se auto-intitulam Mestres, quando a altura nos mostra que enquanto existir distância, mais tempo vai existir para se purificar como aprendizes.

 

Ubaldo comparou esta ladeira como um caminho que foi escalado por Jacó. Ansioso, fui logo falando:

 

- Seria a famosa "Escada de Jacó"?

 

Ubaldo ficou evidentemente contrariado em seu olhar para mim. Acho que não gosta de ter sua retórica interrompida. Compreendi, pois já sabia que a maioria dos construtores são assim mesmo, retóricas longas, mas poucas dialéticas e gramáticas cifradas. Talvez Can seja mais dialético, por isso foi rejeitado por alguns grupos e acabou sumindo, ao passo que Sem e Jafé sabiam lidar melhor com o desejado da gramática e da retórica.

 

Ubaldo então me passou algo escrito que talvez nos dê uma pista que ajude a ajudá-lo:

 

"Jacob's Ladder"

 

Prefiro ser,

Só Ser.

 

Prefiro ser Presente,

Do que ser passado.

Ignorado,

Prefiro Ser.

 

Dizer que,

Ao fim de mais um período

Sempre é tempo de reflexão,

Para com os que se vão.

 

Senão,

Tempo de avaliação,

Tempo de fim e recomeço.

Tempo de Ação.

 

Mas para mim,

Tenho que viver este Presente contínuo.

Começando e terminando tudo ao fim de um só dia, 

Passarinhando e parodiando o Mário Quintana:

 

- "Eles passarão, eu passarinho".

 

Prefiro Ser

Essência sem contexto,

Ao invés de ser

Texto sem essência.

 

Prefiro ser Mar Oceano*,

Prefiro ser Esta Metamorfose Ambulante**,

Prefiro ser como alguns dizem que talvez fôra Fernando Pessoa***

Ao construir Castelos com as pedras do caminho.....

 

Caminho

Que caminho

Sózinho,

Com o Mundo.

 

Referências:

 

*http://poetamarioquintana.blogspot.com.br/2009/01/mario-quintana-obsessao-do-mar-oceano.html

 

**http://letras.terra.com.br/raul-seixas/48317/

 

***http://www.nowpublic.com/tag/Brazil

 

*** http://tangerinadoce.blogspot.com/2005/12/fernando-pessoa.html


 

 

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